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MPF, MPT e DPU acionam Justiça para que Rondônia tenha protocolo sobre qualidade do ar
Órgãos citam descaso de autoridades públicas com a saúde da população em época de poluição extrema do ar, provocada por incêndios e queimadas
O Ministério Público Federal (MPF), o Ministério Público do Trabalho (MPT) e a Defensoria Pública da União (DPU) entraram com uma ação na Justiça Federal pedindo a condenação da União, do Estado de Rondônia e da Prefeitura de Porto Velho para criação urgente de um Protocolo Emergencial Multifásico Gradual relacionado à qualidade do ar. O objetivo é que esse protocolo sirva para lidar com a situação emergencial de poluição do ar atmosférico com base em critérios técnicos e orientações da Organização Mundial de Saúde (OMS), bem como de outros órgãos de saúde.
O protocolo a ser criado pela União, Estado de Rondônia e Prefeitura de Porto Velho deve considerar a qualidade do ar para avaliar e recomendar ou determinar:
• uso de máscaras (NR95 e PFF2, as únicas recomendadas) em locais públicos e privados;
• teletrabalho;
• suspensão de atividades não essenciais;
• fornecimento de equipamentos de proteção individual (EPI), como máscaras, óculos de proteção etc, a servidores públicos e determinação para que empresas e entidades privadas forneçam o EPI a seus trabalhadores;
• suspensão de qualquer atividade não essencial, mesmo que com uso de EPI, dependendo do grau de poluição;
• suspensão de autorização para realização de atividades aglomerativas (shows, corridas de rua, festivais etc);
• informativos oficiais de orientações gerais à população para minimizar os impactos na vida e saúde das pessoas;
• regras gerais a outros municípios, considerando o nível de qualidade do ar atmosférico em cada um;
• atualização constante do protocolo, com orientações adequadas à população e designação automática de servidores para teletrabalho a partir de determinado índice de poluição, não autorização de eventos aglomerativos, determinação de uso de máscaras em locais públicos e privados, suspensão de aulas etc.
Os órgãos fiscalizadores pedem, na ação, que os réus sejam também condenados ao pagamento de indenização por dano moral coletivo à saúde, no total de R$ 100 milhões, a ser destinado ao fundo de saúde coletiva, para implantação de medidas de prevenção e enfrentamento dos efeitos da poluição atmosférica em Rondônia. Além disto, querem que os réus sejam obrigados a pagar indenização por dano moral individual às pessoas que comprovarem que tiveram ou agravaram problemas de saúde relacionadas com a poluição do ar no período da atual crise climática, em valor correspondente ao dano.
Assinaram a ação civil pública os procuradores da República Raphael Bevilaqua, Gabriel de Amorim e Thiago Fernandes de Figueiredo Carvalho, os procuradores do Trabalho Camilla Holanda Mendes da Rocha e Carlos Alberto Lopes de Oliveira e o defensor público federal Thiago Roberto Mioto.
Crise climática e de gestão – Porto Velho está há praticamente dois meses como a cidade com o ar mais poluído do Brasil e, por vezes, até a mais poluída do mundo, segundo dados da plataforma de monitoramento suíça Iq Air.
O MPF, o MPT e a DPU já tentaram amigavelmente que União, Estado de Rondônia e Prefeitura de Porto Velho elaborassem um protocolo sobre a qualidade do ar. Os órgãos fiscalizadores expediram uma recomendação, mas os entes do Executivo apresentaram apenas esclarecimentos e ações que não indicavam a criação de protocolo sobre a qualidade do ar.
O governo estadual informou que pediu auxílio do governo federal em 3 de setembro. Nessa época, a situação já estava em níveis altamente críticos e, mesmo assim, o pedido não tinha relação com protocolo técnico científico para lidar com a problemática. A Prefeitura de Porto Velho sequer conseguiu responder objetivamente ao que foi recomendado. Em 25 de setembro, a União respondeu que está trabalhando em protocolos, mas alegou que a melhoria efetiva da qualidade do ar em Rondônia e Porto Velho está diretamente condicionada à redução dos incêndios florestais e queimadas.
“É estarrecedor o descaso das autoridades públicas para com a saúde pública da população. Apenas para ilustrar a gravidade, vale colacionar resposta do Hospital 9 de Julho a questionamentos do MPF, em Porto Velho, indicando disparada no número de atendimentos realizados em decorrência de problemas respiratórios. Entre o começo de agosto e até 11 de setembro, houve aumento superior a 100%, tomando como referência os meses de agosto e setembro de 2022 e 2023. Tímida tem sido a resposta do poder público, limitando-se a alguns informes técnicos com quase nenhuma divulgação. O Município de Porto Velho não emitiu nenhuma orientação até o momento, tendo emitido apenas um alerta em razão do aumento da temperatura após o recebimento da recomendação”, relataram os órgãos fiscalizadores na ação civil pública.
Segundo eles, a omissão dos entes do Executivo provocou desinformação entre a população em meio a alta periculosidade do monóxido de carbono no ar atmosférico, que se liga à hemoglobina – proteína que é a responsável pelo transporte de oxigênio no sangue – e prejudica a oxigenação dos tecidos do corpo, mesmo quando a pessoa respira uma quantidade suficiente de ar. Os sintomas de uma intoxicação leve incluem dores de cabeça, enjoos, sonolência e confusão, que muitas vezes as vítimas concluem que são sintomas de outras doenças, como enxaqueca, intoxicação alimentar ou por bebidas alcoólicas.
O boletim da Vigilância em Saúde de Populações Expostas à Poluição Atmosférica (Vigiar) orientava a população a evitar exposição à fumaça e não praticar atividades físicas ao ar livre. Essas mesmas orientações foram repetidas em todos os boletins informativos divulgados pelo governo estadual. Na prática, não houve suspensão de nenhuma atividade aglomerativa ao ar livre, realizadas por particulares, como feiras de exposição agropecuária (como Pimenta Bueno e Jaru, por exemplo), shows, corridas de rua (em Ji-Paraná, Jaru e Buritis, por exemplo).
O próprio Estado de Rondônia promoveu e organizou atividades como competições extenuantes ao ar livre (atletismo, por exemplo) e empregou mais de R$ 1 milhão para realização dos Jogos Intermunicipais 2024 na cidade de Cacoal, na semana de 20 a 22 de setembro. Entretanto, o próprio governo estadual divulgou no Boletim Informativo Vigiar 8 que a situação do ar em todo o estado no período de realização dos Jogos Intermunicipais variava entre moderada, ruim e muito ruim.
“Além de não determinar à iniciativa privada a restrição de atividades que possam colocar em risco a vida e saúde da população, o próprio Estado, diretamente, fomentou a participação das pessoas em atividades físicas ao ar livre, com competições, inclusive, de caráter extenuante, sem falar no dispêndio de recursos públicos para tal finalidade, quando o consenso científico, que o próprio Estado publica, recomenda o contrário. […] Pessoas estão padecendo sem acesso à informação e orientações adequadas e a ações minimizantes do Poder Público em tempo hábil”, apontam os órgãos fiscalizadores na ação.
Para os autores da ação, a situação climática é insustentável e as ações do Poder Público não são pautadas em ciência e tecnicidade. Inúmeras pessoas são afetadas diariamente e não há ação informativa, preventiva ou de minimizar impactos na vida e saúde das pessoas.
Ação civil pública nº 1015447-25.2024.4.01.4100
Fonte: Assessoria