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Em homenagem ao Dia dos Pais, filho lembra extensionista rural dado como morto em naufrágio e reapareceu 5 meses depois
Márcio Valério, da Emater, mostra no computador a página que lembra a saga de seu pai, Paulo de Oliveira Maia, no Rio Guaporé

Publicado 05/08/2021
Atualizado 05/08/2021
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Márcio Valério, 44 anos, funcionário do Governo de Rondônia, lotado na Empresa Autárquica de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado de Rondônia (Emater-RO), guarda na memória o inesperado retorno ao lar, do pai extensionista Paulo de Oliveira Maia, dado como morto em 1976, após sair de casa para realizar um trabalho de fiscalização no Rio Guaporé, em Guajará-Mirim, na fronteira brasileira com a Bolívia, e a embarcação onde estava naufragar. Paulinho, como era conhecido, escapara de morrer no naufrágio, mas ninguém sabia disso.

“São situações atípicas, inusitadas, e quando aconteceu nos alegramos muito em família, e muito nos orgulhamos da imagem dele, desde o começo até o fim de sua longa dedicação ao trabalho”, comenta Márcio.

A celebração do Dia dos Pais reúne histórias de afeto, admiração, servindo quase sempre para homenagens e resgates de histórias incríveis. Esta é uma delas.

Paulinho Maia saiu de Apodi, região de Mossoró (RN), e veio para Porto Velho em 1971, e começou a trabalhar na antiga Associação de Assistência e Crédito e Assistência Rural de Rondônia (Acar-RO). À época, ele atendia aos seringalistas e seringueiros do extinto território federal. Segundo o filho, se vivesse nesta década, certamente ele estaria em campo para auxiliar na produção de borracha em algumas unidades de conservação estaduais.

Paulinho casou-se com dona Lucimar, com quem teve quatro filhos: Márcio Valério, 44, Márcia Valéria, 43, Ericson, 36, e Érica, 35. E jovem faleceu, aos 39 anos, em março de 1990.

O trabalho da Acar, e mais tarde da Associação de Assistência Técnica e Extensão (Aster) foi pioneiro no extinto território federal. Paulinho conviveu com outros expoentes do extensionismo rural, entre os quais, Luiz Carlos Coelho de Menezes, Lúcia Matsuno e William Cury, entre outros. O jornalista Enoque de Oliveira lembra que, a exemplo de Paulinho, Lúcia também veio do Rio Grande do Norte e em vida manifestou o desejo de ser sepultada em Porto Velho.

A história da morte e vida de Paulo de Oliveira Maia se transformou na “Crônica da vida emateriana: extensionista que voltou do além”. O precioso relato é do jornalista Enoque de Oliveira, feito em 2018, no site da Emater-RO. 

“Todo extensionista tem história. Meu pai é lembrado por essa, diferente, mas ele foi um homem que honrou a camisa da extensão rural por longos anos”, diz Márcio Valério.

Trecho da narrativa de Enoque a reação da mãe de Márcio Valério sobe o retorno de Paulinho: “A viúva cumpria seu luto, enquanto amamentava seu filho, nascido depois da partida do pai que desaparecera em um naufrágio no Rio Guaporé, durante uma missão extensionista, quando de repente, viu o referido surgir à sua porta deixando-a em estado de choque.

Para entender esse realismo fantástico, é necessário contextualizar a época. Na década de 1970 o técnico extensionista rural em Rondônia tinha duas formas principais para se deslocar até as propriedades assistidas: poderia ir a bordo de um confortável jipe, com três ou quatro marchas, capota de lona, tração nas quatro rodas e reduzida para sair dos atoleiros.

A outra maneira era pegar uma canoa equipada com motor de popa. E em algumas situações utilizavam-se também os barcos de transporte de passageiros, que ainda navegam pelo Rio Madeira e Rio Guaporé.

Nos primeiros anos da extensão rural em Rondônia, os técnicos eram contratados em outros estados, recebiam a capacitação inicial chamada de pré-serviço e estavam prontos para ir a campo que, em Guajará-Mirim, significava ir da sede do município até o extremo sul do estado, onde hoje está localizada a cidade de Pimenteiras do Oeste.

Para atender o programa oficial de assistência técnica e extensão rural voltado aos seringais nativos foi escalado o colega Paulo Maia, o Paulinho. Ele subia o Rio Guaporé entrando em quase todos os afluentes para prestar assistência técnica e fazer a supervisão dos projetos de custeio contratados com os bancos conveniados com a Acar. As viagens geralmente demoravam mais de um mês até o retorno ao escritório.

A VIAGEM

Numa das primeiras viagens do ano de 1976, Paulinho se despediu da esposa, dona Lucimar, que estava grávida e embarcou em um barco de passageiros que subiria o Rio Guaporé até o sul do estado, passando por Costa Marques e demais localidades. Dessa vez iria acompanhado de um técnico do Banco do Brasil de nome Djalma, mais conhecido como Grilo, que faria a fiscalização do crédito rural.

A viagem era longa e entediante, mas eles não seguiam sempre no mesmo barco, precisavam descer nas localidades geralmente próximas à foz dos afluentes, onde alugavam embarcações pequenas para adentrar nos rios menores, onde estavam localizados os seringais. Para essas despesas, dispunham de um suprimento de fundo.

Em uma dessas paradas, lá pelas proximidades de Pedras Negras, compraram passagens em um barco que seguia pelo Rio Guaporé para descer até a foz de um dos pequenos rios que dava entrada para o próximo seringal a ser visitado. No entanto, antes de chegarem ao porto seguinte, encontraram a canoa com motor de popa que os levaria ao próximo seringal. Desceram do barco grande e seguiram a rotina de atendimento aos produtores de borracha natural.

NAUFRÁGIO

Paulinho e Grilo demoraram nessa área atendendo diversos seringais. Em alguns deles, para chegar às colocações mais distantes, demorava mais de dois dias, não havia comunicação com o mundo exterior, nem com o escritório, tampouco com a família. Por causa do isolamento, não ficaram sabendo que o barco em que haviam percorrido o último trecho, naufragara matando diversos passageiros.

A marinha e a polícia fizeram as diligências no local do desastre resgatando os corpos, içaram o barco e encontraram a lista de passageiros, em que constava os nomes de Paulo Maia e Djalma. Cumprido o prazo das buscas e não tendo encontrado os corpos de todos os desaparecidos constantes da lista de passageiros, aqueles não encontrados foram dados como mortos e comunicado o ocorrido aos familiares.

A notícia deixou consternada toda a comunidade de extensionistas e, principalmente, as equipes de Guajará-Mirim e Porto Velho, onde Paulinho havia trabalhado. O então secretário executivo, Luiz Carlos Coelho de Menezes, determinou que se tomassem providências para prestar a assistência necessária à viúva e ao filho do extensionista, tragicamente desaparecido nas águas do Rio Guaporé e que fosse celebrada uma missa em intenção a alma do colega.

O RETORNO

Cinco meses e algumas semanas após o início daquela viagem, que provocara tanta tristeza e saudade à esposa e aos colegas da extensão rural rondoniense, dona Lucimar, esposa de Paulinho, já havia voltado à casa dos pais em Porto Velho. Certo dia, estava sentada amamentando seu filho, quando viu chegar a sua porta um homem de cabelos e barba grande. De imediato ficou assustada tentando reconhecer aquela fisionomia, quando o homem falou: “sou eu Lucimar, o Paulinho”, ficou em estado de choque.

Passado o susto, ela se levantou e abraçou o esposo, ambos ficaram emocionados. Logo chegaram os parentes que avisaram os vizinhos e mandaram recados aos colegas da Aster-RO. Os amigos foram chegando e houve uma grande festa.

O personagem principal dessa historia é o pai de Márcio Valério, que trabalha na gerência financeira do escritório central da Emater. Ele é também a criança citada nessa história, que nasceu durante o período de desaparecimento do extensionista rural.