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Com histórico de fugas e denúncias de tortura, presídio de Ariquemes tem 307% de superlotação
Com 198 vagas no projeto, na mesma semana da inauguração, o presídio já foi ocupado por mais de 400 presos. Atualmente são 609 detentos no Centro de Ressocialização da cidade.
Inaugurado há pouco mais de três anos, o Centro de Ressocialização de Ariquemes (RO), no Vale do Jamari, já acumula um extenso histórico de fugas, superlotação e recentemente é alvo de denúncias de tortura. No local, há três vezes mais presos do que a capacidade, segundo dados da Secretaria de Estado da Justiça (Sejus).
Com 198 vagas no projeto, na mesma semana da inauguração, o presídio já foi ocupado por mais de 400 presos. O número de apenados na unidade segue crescendo e, de janeiro a setembro de 2020, o aumento já foi de 21,6%.
Atualmente, 609 detentos estão no Centro de Ressocialização de Ariquemes (CRARI), 411 além do número de vagas. A superlotação, os problemas na estrutura física e o baixo número de policias penais por plantão contribuíram para as 18 fugas já registradas. É o que aponta um relatório do Ministério Público Estadual (MP-RO).
"A gente descobriu que isso é uma situação inédita no estado de Rondônia. Nenhum presídio em todo o estado tem sequer o dobro da capacidade. O segundo presídio mais superlotado é o Panda, em Porto Velho, que tem exatamente 182%, enquanto nós em Ariquemes, repito, temos 307%", diz o promotor Tiago Lopes Nunes, que acompanha a situação carcerária da cidade.
Recentemente, oito presos fugiram após cavarem um túnel de cerca de 15 metros. Dois deles já foram recapturados. Segundo a polícia, a dupla foi localizada após uma família informar que havia sido feita refém pelo grupo de detentos foragidos.
Em um dos episódios de fuga no mês de agosto, por exemplo, dois presos morreram e dois ficaram feridos por disparos de servidores. Outros sete conseguiram escapar. Os fugitivos são suspeitos de integrarem facções criminosas.
"Essas fugas reiteradas não só podem causar perigo à integridade física dos policiais penais e dos próprios presos como elas também deixam em liberdade presos perigosíssimos condenados pela Justiça, que deveriam estar recolhidos, mas como o presídio não tem condições mínimas de segurança e de estrutura, essas pessoas acabam fugindo e muito possivelmente em vários casos, voltando a cometer crimes", analisa o promotor de Justiça.
Na época, a Sejus disse que faria uma "apuração minuciosa" do contexto das mortes e que "independente das circunstâncias, a morte de qualquer pessoa não é objetivo da atuação do Estado no cumprimento de suas obrigações".
Uma ação civil pública ajuizada em setembro pelo MP e Defensoria pediu a progressiva redução da superlotação. "Nosso pedido foi tão modesto que não foi nem sequer pra chegar à quantidade de vagas. Foi pra estabelecer o nível de superlotação média do estado, em torno de 160% da capacidade", contou Nunes.
O pedido de liminar foi indeferido pelo juiz de primeira instância e um recurso está pendente de julgamento no Tribunal de Justiça de Rondônia (TJ-RO).
Há duas semanas, o diretor da unidade e outros cinco policiais penais foram afastados das funções pela Justiça. A investigação apontou que os agentes estão supostamente envolvidos em episódios de tortura contra cinco apenados que tentaram fugir no dia 19 de agosto. Os servidores foram denunciados e a Justiça os tornou réus.
O relatório do Ministério Público do Estado (MP-RO) obtido pela Rede Amazônica aponta que o Estado descumpre um compromisso assumido em 2011 com a Corte Interamericana de Direitos Humanos pela melhoria do sistema prisional.
Conforme o relatório, havia o compromisso da construção de uma penitenciária em duas etapas totalizando 360 vagas, com previsão de conclusão até janeiro de 2014. O Ministério da Justiça destinou R$ 26 milhões à obra, mas o recurso não foi utilizado por problemas no projeto e licitação.
"Não se pode encarar o nível de superlotação apresentado como mera abstração sociológica, na exata medida em que representa o real e inaceitável tratamento degradante a que centenas de pessoas são diuturnamente submetidas. Destarte, afirmar que o Centro de Ressocialização de Ariquemes já cruzou a linha que separa a civilização da barbárie não nos parece hiperbólico", diz o documento do MP entregue ao governo no início deste ano.
A promotoria lista, entre outros problemas no CRARI, a não separação entre presos provisórios e condenados, falta de local para visitação, número reduzido de agentes penitenciários e ausência de atendimento regular de saúde. Um médico do município vai até a unidade a cada 15 dias para fazer o atendimento dos mais de 600 apenados.
"Muitos irmãos e irmãs nossos que estão lá na prisão são presos provisórios que não deveriam estar lá. Ficam lá um ano, dois anos, até três anos sem julgamento e nós questionamos isso. O Estado tem a capacidade de aprisionar a pessoa então ele tem a missão também de ressocializar essa pessoa. Nós não aceitamos qualquer tipo de tortura", defende o Padre Juquinha, da pastoral carcerária em Rondônia.
Questionado sobre as medidas que estão sendo tomadas para resolver os problemas apontados no relatório do Ministério Público, o governo de Rondônia não se manifestou até a última atualização desta reportagem.
Fonte: G1 RO