AO VIVO
CRÔNICA DE FIM DE SEMANA - Euro Tourinho, Uma lenda no jornalismo de Rondônia - Arimar Souza de Sá
Euro Tourinho morreu aos 97 anos, 60 dos quais exercendo a profissão de jornalista.
A morte é mesmo irmã siamesa da vida. Quando nela atira, num átimo a arremessa para o infinito, entre as estrelas, para deixá-la bem pertinho de Deus.
E lá se vão os fortes, os fracos, os tímidos, os assanhados, os bonitos, os feios, os brancos, os negros, os amarelos, os ricos, os pobres, todos submetidos que estão a “um tanto de vida” na terra, na paginação do tempo, à serena eternidade.
O “escolhido” desta semana foi o jornalista mais velho do Brasil, o “doutor” em comunicação Euro Tourinho. Nascido em Corumbá-MT, ele e outros mato-grossenses, ainda na primeira metade do século XX, vieram para Porto Velho e aqui se instalaram, para começar a plantar as sementes de suas existências...
A cidade de Porto Velho, à época, não passava de um aglomerado de pequeninas Vilas que abrigavam os que ficaram após a construção da Estrada de Ferro Madeira Mamoré, e os renegados do destino, os seringueiros, muitos atrofiados pela malária (terçã maligna) e o beribéri, instalados precariamente no bairro Arigolândia.
De passos livres e minutando toda essa saga, lá se ia o jovem Euro, o jornalista da madrugada, que também era fotógrafo, registrando os acontecimentos da pequena Grei que, às vezes, no nascer da aurora, se assustava com o apito do trem vindo de Guajará Mirim, na fronteira com os castelhanos.
Para ele, como notívago, era fácil também registrar este e outros acontecimentos, principalmente os sociais, como os famosos bailes de sábado no Bancrévea Clube, no Imperial, no Danúbio Azul ou nas baladas noturnas do “Convento da Anita”, onde as mariposas "davam sopa" na porta do estabelecimento.
Ali por volta de 1962, com o irmão Luiz, tornou-se sócio do maior jornal de circulação em Rondônia, o lendário Alto Madeira, cujo vertente era do jornalista Assis Chateaubriand, o conhecido “Chateau” dos Diários Associados, de lendas e façanhas no jornalismo Brasileiro.
Mesmo sem frequentar Escola de jornalismo – só havia duas no Brasil, à época, no Sul do País – Euro construiu a sua própria história jornalística, quando se utilizou da máquina de linotipo - uma revolução tecnológica da época - como ferramenta inovadora de produção do jornal.
E foi assim que começou, e foi assim que dedicou 60 anos de sua vida ao jornalismo, como uma espécie de alfaiate de alta costura no exercício dos debruns. Era, a um tempo, o ferreiro e o torneiro de uma oficina moldada com suor e amor, nos tempos primevos da imprensa rondoniense.
Acompanhou e se fez intérprete social dos primeiros tempos, cobrindo os embates políticos em Rondônia, onde se digladiavam, em 1947, o coronel Saldanha e Aluísio Ferreira, época em que surgiu o "Aluisísmo" dos memoráveis Cutubas, apelido dado aos partidários do coronel.
Na década de 50 surgem os Pés-rapados (Peles Curtas), do Coronel Rondon, sobrinho do lendário Marechal Rondon, que perderam de lavada a primeira eleição.
Contrito, anotando e clicando cada pormenor, o nosso garimpeiro da noite, silenciosamente, guardava cada cena, transformando aqueles históricos momentos em eternidade.
Nessa olimpíada da vida, onde os fortes adornam os seus próprios pilares, o jornal Alto Madeira, sob a batuta de Euro, começava a pavimentar sua história, traduzindo-se como principal diário de Rondônia.
Corajoso, tantas vezes usando a pena - sem pena - o periódico, em sinal de protesto, mostrava as vísceras de uma cidadezinha que nascia vizinha dos Andes, mas distante dos grandes centros de seu próprio país, cujo transporte se findava pelo Rio Madeira até Belém, e do Pará, para os portos do Recife, de onde eram trazidos os produtos manufaturados para sobrevivência e consumo dos pioneiros.
Esse caminho era de três meses, no mínimo, entre as escalas no porto de Belém até chegar a Porto Velho. Outros meios de transporte também aportavam por aqui, como o Catalina, avião anfíbio que pousava sobre o Rio Madeira e o “Douglas DC 3”, ambos da Empresa Aérea Cruzeiro do Sul.
Atento a todos e a tudo, o nosso Pirilampo da noite não perdia nenhum detalhe. Hospedado em pensões improvisadas, feitas de madeira, no íntimo devia pensar com seus botões: “Aqui está a matéria prima para as notícias mais quentes. Vou ficar”. E ficou”.
À época a economia cingia-se à extração da borracha (Hevea Brasiliensis), da castanha e da poaia. Não havia extração de madeira e a agricultura era incipiente.
Com a instalação do território do Guaporé e depois Rondônia, a administração era feita pelos oficiais do Exército, como Aluízio Ferreira, Paulo Nunes Leal, Araújo Lima, etc., mas não demoravam nos cargos de governadores. Na verdade, apenas cumpriam missões e sucumbiam aos muitos solavancos que determinavam suas substituições.
Na redação do “Alto Madeira”, Euro Tourinho analisava esses acontecimentos e, desafiando os militares, soltava a manchete: Em Rondônia “troca-se de governador como se troca de camisa”.
Com o advento da "Redentora", a Revolução de março de 1964, era preciso silenciar, mas Euro, a seu estilo, manteve o seu jornal sem nenhuma intervenção, sem agasalhar a covardia, como sói acontecer nestes momentos de grande turbulência.
Tempos outros, depois, o “Alto Madeira”, já consolidado, ajudou na campanha de implantação do Estado de Rondônia e registrou o apogeu da extração do ouro no Rio Madeira, da Cassiterita em Ariquemes e da revoada dos sulistas para cá, na clarinada do lendário “Teixeirão”...
Para contar a longeva saga de Euro Tourinho e seu legado, seria preciso mil páginas do Alto Madeira, mas esta história finda por aqui, pois nem o jornal e sua linotipo, de tantas letras que ele tanto gostava, não existem mais. As letras, garimpadas até formar palavras, se amontaram e se perderam no caminho, e a "máquina de fazer jornal" foi corroída pela ferrugem do tempo...
Por isso, hoje, faço esta homenagem, me quedando com a saudade do mais decantado jornalista de Rondônia, Doutor em jornalismo da floresta, o nosso inesquecível Euro Tourinho, e seu Jornal “Alto Madeira”, onde, durante quase duas décadas, aos domingos, eu escrevi a coluna “Batendo de Frente”.
Homens como "seu" Euro merecem na lápide de seu túmulo palavras assim: “Aqui jaz um homem que fez de seu ofício um sacerdócio, honrou a profissão de jornalista e ungiu seus passos de respeito, ética e profissionalismo. Nasceu em 17/01/1922 e faleceu em 25/11/2019, deixando saudades...
Que Deus o receba e o junte aos anjos.
Chorar é preciso, reverenciá-lo um imperativo da existência dos rondonienses, mas esquecê-lo, nunca.
AMÉM!!
Fonte: Rondonoticias