Inventário florestal da Resex do Rio Cautário revela espécies nobres de árvores e plantas medicinais
Higuchi (e) concluiu no início do mês de outubro o trabalho de 30 dias da equipe que faz o inventário da Resex do Rio Cautário
A Secretaria Estadual do Desenvolvimento Ambiental (Sedam) solicitou a realização do inventário de árvores, cipós, arbustos e flores da Reserva Extrativista do Rio Cautário. Ele revelará, em equações matemáticas, o volume de carbono existente nas árvores.
Duas décadas depois dos primeiros estudos a respeito das ocupações de espaços na floresta rondoniense que veio ser essa Resex, a floresta em pé dá lugar ao maior projeto de crédito de carbono em área extrativista no País.
A Resex tem partes nos municípios de Costa Marques e Guajará-Mirim, ambos na fronteira brasileira com a Bolívia. É uma rica fonte para extrativistas e para a Universidade Federal de Rondônia (Unir) pesquisar árvores e plantas medicinais.
O serviço de medição e identificação de espécies durou 30 dias, foi concluído duas semanas atrás, e vai contemplar 95 famílias de sete comunidades: Águas Claras, Canindé, Ilha/Jatobá, Lago Verde, Laranjal, Ouro Fino, e Vitória Régia.
A equipe do inventário, em laboratório de manejo florestal envolveu 18 pessoas – pesquisadores e acadêmicos de diversas áreas alunos de pós-graduação na Unir e técnicos de nível médio. Eles trabalharam em parcelas de 70 x 70 metros, usando trenas e fitas diométricas, e para caminhar dentro da floresta também usaram imagens de satélite.
O pouso de abelhas em botas e nas calças dos integrantes da equipe sinalizou um ambiente rico em flores nativas.
O secretário estadual do Desenvolvimento Ambiental, Marcílio Lopes enfatizou “o sentimento de conservação” dos moradores das sete comunidades. “Alguns deles acompanharam a equipe floresta adentro, constatando a imensa riqueza disponível para a sua autossustentabilidade”.
Com o inventário, a Sedam demonstra que mudanças climáticas globais, fotossíntese e estudo da biomassa florestal estão fortemente ligados. E o elo que conecta esses temas é o carbono, atualmente um dos assuntos mais debatidos no meio científico e ambiental, pois o mundo inteiro está preocupado com as emissões e estoques.
“O inventário em parcelas mede tudo o que tem aqui dentro, e a gente obtém resultados que nos dão ideia da estrutura da floresta, dos solos, do volume de madeira caída e de carbono florestal”, explicou o coordenador da equipe, engenheiro florestal Francisco Higuchi.
A equipe mediu com fita métrica árvores acima de 10 cm de diâmetro, a 1,30 m da base. Aquelas com troncos diferentes foram medidas mais acima ainda. Ao mesmo tempo, colocou plaquinhas de alumínio indicando a medição.
O extrativista Felipe Lopes, um dos 18 membros da equipe, disse que o trabalho de um mês apresentou resultado positivo e previu: “Dentro de dois anos, nós moradores estaremos capacitados para saber exatamente como fazer as próximas medições”.
A equipe levou 50 minutos para abrir cada parcela, e 1h30 na medição interna, informou Higuchi, que trabalha pela segunda vez em Rondônia e atua há 15 anos com inventários florestais no Acre, Amazonas e Roraima.
“A floresta é heterogênea, daí a necessidade e a importância da abertura de trilhas”, disse o coordenador.
“O privilégio dessas 95 famílias, aproximadamente mil pessoas, de morarem na região significa dizer que conhecem cada palmo desse chão”, lembrou o coordenador de Unidades de Conservação, Fábio França. Dessa maneira, ele considera que esse trabalho no âmbito do maior projeto de crédito de carbono em reservas extrativistas no País “trabalhará com dados precisos e imprescindíveis à Sedam”.
O engenheiro florestal Higuchi explicou cada serviço validado pela equipe: “Os responsáveis pela dendrologia estudaram a caracterização morfológica, a semi-botânica, flores e frutos das árvores, constatando que nem toda espécie floresce no mesmo período do ano”.
Já a turma encarregada de observar árvores caídas também fez sua medição total, o que servirá para o inventário determinar a altura dominante do sítio. “E eles fizeram também a cubagem das árvores, dimensionando o volume do tronco, resultando a avaliação do volume de árvores em pé e no cálculo da biomassa de carbono”, explicou o coordenador da equipe.
A Resex tem angelim, castanheira, copaíba, cerejeira, breuzinho, cipós diversos, mulateiro, sangue de dragão, e seringueira nativa. À beira das estradas internas ainda existem árvores de mogno (Swietenia macrophylla). “Essa riqueza em cerejeira e mogno é importante, ela não existe, por exemplo, no Amazonas”, observou.
A floresta do Cautário é ombrófila densa. Segundo a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), ela é também conhecida por floresta pluvial tropical (Floresta Amazônica e Floresta Atlântica), cuja formação está condicionada à ocorrência de temperaturas elevadas, em média 25ºC, e altas precipitações bem distribuídas durante o ano; no período de estiagem essas chuvas variam de zero a 60 dias.
Originário da Amazônia, o mogno já começou a desaparecer também no Estado de Rondônia, levado por madeireiros, na maioria das vezes, clandestinamente. Comum também nos estados de Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Pará e Tocantins, ele também ainda é encontrado em florestas no Peru e no México.
Cresce rápido, podendo alcançar quatro metros aos dois anos de idade. A largura do tronco varia entre 50 e 80 cm de diâmetro. Floresce entre os meses de novembro e janeiro; seus frutos amadurecem no mês de setembro e se prolongam até meados de novembro. A árvore é ornamental quando usada na arborização de parques e jardins.
Já o breuzinho, segundo estudos, existe em dezenas de espécies de árvores da família Burseraceas. Elas produzem qualidades diferentes de breuzinho ou breu, entretanto, somente uma espécie que produz a resina conhecida por breu branco, é a mais aromática e com maior quantidade de propriedades medicinais que as outras. O Departamento de Química da Unir começou a pesquisá-lo no início dos anos 2000, com apoio da Universidade Federal do Ceará.
Por sua vez, o mulateiro sofreu grande devastação em terras de mineradoras no interior de Porto Velho e da região onde surgiu o município de Itapuã do Oeste, a cem quilômetros da Capital. Tratores e máquinas usados na lavra da cassiterita (minério de estanho) destruíram milhares dessas árvores. O mulateiro, retilíneo, ramificado apenas na ponta, e esguio, de 30-40 cm de diâmetro, tem casca fina e quando industrializada serve para regeneração de pele de pessoas vítimas de queimaduras de terceiro grau.
Quando nova, a árvore é esverdeada, tornando-se marrom até mesmo castanho-escura. Descama anualmente em longas tiras, deixando exposta a camada interna avermelhada. O aspecto liso do tronco dá a impressão de ter sido envernizado.
Predominam ali os latossolos vermelho distroférricos (latossolo roxo distrófico) e excepcionalmente os latossolos vermelho eutroférricos (latossolo roxo eutrófico), originados de granitos e gnaisses, além de arenitos com derrames vulcânicos de vários períodos geológicos.
“Já esperávamos encontrar a Resex do Rio Cautário assim; o terreno aqui é plano, sem aclives e declives, facilitando o nosso trabalho”, considerou Higuchi.
O inventário ensinou jovens extrativistas a lidar melhor com a Resex. Henrique Masceno, 28, nascido em Ji-Paraná, um dos moradores da Comunidade Águas Claras, usou o GPS. “Separo a castanha dos ouriços e seco no barracão”, explicou. Esse trabalho dura 40 dias e é feito por ele entre janeiro e fevereiro de cada ano. Outros demoram mais tempo, ele revelou.
Acompanhando o último dia de trabalho para o inventário, o engenheiro florestal Miguel Milano, de uma empresa parceira da Sedam no projeto de crédito de carbono, elogiou “quem conserva e nunca saiu da região”.
Ele sugeriu: “O lucro do látex e da castanha pode sim ficar na comunidade, evitando que pare nas mãos de atravessadores; a copaíba também, e assim poderemos firmar compromissos com outros ativos”.
Faz parte dos planos de Milano promover também investimentos em estudos de crianças da reserva, para que adquiram consciência em relação à autossustentabilidade. Lembrou o engenheiro que o extrativismo da castanha e da seringueira é praticado em várias gerações pelas famílias da Resex, cujos saberes são transmitidos de pai para filho.
A coleta da seringa, basicamente masculina, assim aconteceu longos anos por conta dos “mais velhos”, por causa da paralisação das atividades dos seringais velhos, em função da baixa atratividade econômica. Situação que tende agora a melhorar, graças aos investimentos do governo estadual.
O rio Cautário é o principal curso d’água da Resex e tem grande protagonismo no cotidiano das comunidades extrativistas. Praticamente tudo está relacionado ao rio e a adaptação aos ciclos estacionais das cheias e vazantes é parte da realidade das populações ribeirinhas.
Além das planícies, esse sistema fluvial é também composto por diques marginais de pequeno desnível, lagoas marginais, baías, paranás, furos, barras de canal e pontal, geralmente formadas por sedimentos arenosos e ilhas ocupadas por florestas e formações pioneiras. No geral, esse rio possui um desnível topográfico de mais de 60 metros em sua passagem pela área de estudo, variando desde os 200 e poucos metros, ao atravessar a Serra dos Uopianes, até aproximadamente os 135 metros, em sua foz no rio Guaporé.
Nesse intervalo espacial, o Cautário apresenta diferentes padrões de escoamento, desníveis topográficos mais acentuados ou mais amenos e diferentes densidades de drenagem, velocidade das águas e ambientes de sedimentação. [Dados do ICMBio no Plano de Manejo da Resex].
Fonte: Secom - Governo de Rondônia