Entenda o que está em jogo para o agronegócio brasileiro com ameaças de países europeus
União Europeia é 2º maior cliente do Brasil no setor. Por causa das queimadas na Amazônia, França, Irlanda e Finlândia falaram em medidas contra produtos do país, envolvendo inclusive o acordo UE-Mercosul. Alemanha, Espanha e Reino Unido defendem o pacto.
A União Europeia é o segundo maior comprador do agronegócio brasileiro, tendo sido o destino de 17,6% das exportações do setor neste ano, que geraram US$ 9,9 bilhões até julho. Fica atrás apenas da China. Esse mercado poderia ser prejudicado após declarações recentes de autoridades europeias, que reagiram às queimadas na Amazônia.
Na última sexta-feira (23), a Finlândia, que está na presidência rotativa da UE, disse que pretende encontrar uma forma de fazer o bloco banir a importação da carne bovina brasileira por causa da questão ambiental.
No mesmo dia, a França voltou a cogitar se opor ao acordo entre o Mercosul e a União Europeia, no qual o agronegócio brasileiro é um dos beneficiados. E a Irlanda fez coro.
No sábado (24), Alemanha, Reino Unido e Espanha defenderam o pacto. Ele foi anunciado no fim de junho, mas ainda não tem data para começar a valer. Só acontecerá se for aprovado tanto pelo Parlamento europeu quanto pelos congressos dos países do bloco sul-americano.
Carne bovina
O acordo Mercosul-UE abrirá uma porta para o Brasil aumentar o volume de exportações agropecuárias, mas já estão previstos limites para setores mais competitivos, como o de carnes.
O Brasil é o líder mundial na exportação de carne bovina e a União Europeia é o terceiro maior cliente, tendo movimentado US$ 336,3 milhões em compras no acumulado deste ano, de acordo com dados do Ministério da Agricultura.
Nos sete primeiros meses deste ano, foram mandadas para lá 58,9 mil toneladas do produto. O volume só foi menor do que o exportado para Hong Kong (202,8 mil toneladas) e para a China (174,9 mil toneladas).
Em 2018, a União Europeia também foi o terceiro principal destino da proteína brasileira. O bloco comprou 118,3 mil toneladas, trazendo ao Brasil US$ 728,1 milhões em receita.
Considerando todos os produtos do agronegócio, os mais vendidos para os europeus em 2019, até julho, foram grãos, óleo e farelo de soja (33,9%), produtos florestais (19,3%), café (13,6%) e carnes (7,5%).
Jogo político
Especialistas em comércio exterior ouvidos pelo G1 entendem que as declarações dos europeus também têm um contexto político, além da questão ambiental.
A França é a maior potência agrícola do bloco, concorrendo com o Brasil especialmente na produção de soja, leite e derivados. Em julho, logo após o anúncio do acordo Mercosul-UE, ela já tinha cogitado não aceitá-lo, também alegando questões ambientais. A Irlanda é um grande produtor de carne.
"A França é o país mais resistente (com o acordo UE-Mercosul) e o que o governo federal fez foi dar combustível para essas questões, atacando os líderes europeus de maneira explícita e com um recuo muito lento”, avaliou o professor de relações internacionais da PUC-RJ Carlos Frederico Coelho na última sexta.
"Não tem mocinhos. Macron não é inocente, mas é o jogo da política internacional. Houve inabilidade do governo federal e estamos pagando o preço", completa Coelho.
Marcos Jank, coordenador do Centro de Global de Agronegócio do Insper, destaca que, por outro lado, a imagem do Brasil não estaria prejudicada junto à Ásia, principal cliente do agronegócio brasileiro no exterior.
Mas o pesquisador entende que é importante que o governo consiga conversar com todos os principais mercados. “Se a imagem é negativa na Europa, na Ásia ela é neutra. Mas precisamos de diálogo lá fora, na Europa e na Ásia. Na Europa porque é formadora de opinião. E na Ásia porque é nossa maior compradora: 54% do que exportamos vai para lá”, conclui.
Produtores pressionam governo
Além da forte reação internacional, integrantes do governo brasileiro relataram ao blog do Camarotti que a pressão interna do agronegócio brasileiro fez com que o governo mudasse de atitude em relação ao crescimento do desmatamento e das queimadas na Amazônia.
Na última sexta, Bolsonaro autorizou o envio das Forças Armadas para combater os incêndios na Amazônia. A Polícia Federal também vai investigar se houve convocação para queimadas no Pará no que seria chamado de "dia do fogo", no começo do mês.
O ex-ministro da Agricultura e uma das lideranças do setor no Brasil, Blairo Maggi, disse que à BBC News Brasil que o país ficou com a imagem bastante arranhada. Eleitor de Bolsonaro, ele avaliou que os produtores rurais terão "muito trabalho pela frente" para voltar a ter credibilidade no comércio internacional.
Em evento na sexta, em Brasília, a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, afirmou que as notícias preocupam. "Mas eu acho que a gente tem que baixar a temperatura", afirmou, em referência às declarações da França.
"Nós não podemos dizer que, porque nesse momento nós temos um incêndio acontecendo ou uma queimada acontecendo na Amazônia, que o agronegócio brasileiro é o grande destruidor. E, portanto, vão fazer barreiras comerciais contra esse agronegócio", concluiu.
Fonte: G1 Agro